Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. |
Nome:
Adélia Prado
Nascimento:
13/12/1935
Natural:
Divinópolis - MG |
Uma das mais remotas experiências poéticas que
me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava
assim:
A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. “A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."
"Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...".
A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. “A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."
Adélia Luzia Prado Freitas nasceu
em Divinópolis, Mina Geral, no dia 13 de dezembro de 1935, filha do
ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Leva uma vidinha
pacata naquela cidade do interior: inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre
Matias Lobato e mora na rua Ceará.
No ano de 1950 falece sua mãe. Tal
acontecimento faz com que a autora escreva seus primeiros versos. Nessa
época conclui o curso ginasial no Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração,
naquela cidade.
No ano seguinte inicia o curso de Magistério
na Escola Normal Mário Casassanta, que conclui em 1953. Começa a lecionar
no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho em 1955.
Em 1958 casa-se, em Divinópolis, com José
Assunção de Freitas, funcionário do Banco do Brasil S.A. Dessa união nasceriam
cinco filhos: Eugênio (em 1959), Rubem (1961), Sarah (1962), Jordano (1963) e
Ana Beatriz (1966).
Antes do nascimento da última filha, a
escritora e o marido iniciam o curso de Filosofia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.
Em 1972 morre seu pai e, em 1973, forma-se em
Filosofia. Nessa ocasião envia carta e originais de seus novos poemas ao poeta
e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna, que os submete à apreciação de
Carlos Drummond de Andrade.
"Moça feita, li Drummond a
primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa,
Clarisse. ”Esta é a minha turma, pensei, Gostam do que eu gosto”. Minha
felicidade foi imensa. Continuava a escrever, mas enfadara-me do meu próprio
tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a
morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha,
diversa da dos autores que amava. É isto, é a minha fala."
Em 1975, Drummond sugere a Pedro Paulo de Sena
Madureira, da Editora Imago, que publique o livro de Adélia, cujos poemas lhe pareciam "fenomenais". O
poeta envia os originais ao editor daquele que viria a ser Bagagem. No dia
09 de outubro, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil chamando a atenção para o trabalho ainda inédito da escritora.
"Bagagem, meu
primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta
felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas,
muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre
religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar
amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando."
O livro é lançado no Rio, em 1976, com a
presença de Antônio Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade,
Clarice Lispector, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida
Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho, entre outros.
O ano de 1978 marca o lançamento de “O
coração disparado” que é agraciado com o Prêmio Jabuti, da Câmara
Brasileira do Livro.
Estreia em prosa no ano seguinte, com Soltem
os cachorros. Com o sucesso de sua carreira de escritora vê-se
obrigada a abandonar o magistério, após 24 anos de trabalho. Nesse período
ensinou no Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração, Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Divinópolis, Fundação Geraldo Corrêa — Hospital São João
de Deus, Escola Estadual são Vicente e Escola Estadual Matias Cyprien,
lecionando Educação Religiosa, Moral e Cívica, Filosofia da Educação, Relações
Humanas e Introdução à Filosofia. Sua peça, O Clarão, um auto de
natal escrito em parceria com Lázaro Barreto, é encenada em Divinópolis.
"O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta."
Em 1980, dirige o grupo teatral amador Cara e
Coragem na montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. No ano seguinte, ainda sob sua direção, o grupo
encenaria A Invasão, de Dias Gomes.
Publica Cacos para um vitral. Lucy
Ann Carter apresenta, no Departament of Comparative Literature, da Princeton
University, o primeiro de uma série de estudos universitários sobre a obra de Adélia Prado.
Em 1981 lança “Terra de Santa Cruz”.
De 1983 a 1988 exerce as funções de Chefe da
Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura de
Divinópolis, a convite do prefeito Aristides Salgado dos Santos.
“Os componentes da banda” é publicado em 1984.
Participa, em 1985, em Portugal, de um
programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, e em
Havana, Cuba, do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa
América.
Fernanda Montenegro estreia, no Teatro Delfim
- Rio de Janeiro, em 1987, o espetáculo Dona Doida: um interlúdio, baseado
em textos de livros da autora. A montagem, sob a direção de Naum Alves de
Souza, fez grande sucesso, tendo sido apresentada em diversos estados
brasileiros e, também, nos EUA, Itália e Portugal.
Apresenta-se, em 1988, em Nova York, na Semana
Brasileira de Poesia, evento promovido pelo Comitê Internacional pela Poesia. É
publicado A faca no peito.
Participa, em Berlim, Alemanha, do Línea
Colorada, um encontro entre escritores latino-americanos e alemães.
Em 1991 é publicada sua “Poesia
Reunida”.
Volta, em 1993, à Secretaria Municipal de
Educação e Cultura de Divinópolis, integrando a equipe de orientação pedagógica
na gestão da secretária Teresinha Costa Rabelo.
Em 1994, após anos de silêncio poético, sem
nenhuma palavra, nenhum verso, ressurge Adélia Prado com o livro O
homem da mão seca. Conta a autora que o livro foi iniciado em 1987,
mas, depois de concluir o primeiro capítulo, foi acometida de uma crise de depressão,
que a bloquearia literariamente por longo tempo. Disse que vê "a aridez
como uma experiência necessária" e que"essa temporada no
deserto" lhe fez bem. Nesse período, segundo afirmou, foi levada a
procurar ajuda de um psiquiatra.
"O que se passou? Uma desolação, você quer, mas não pode. Contudo, a poesia é maior que a poeta, e quando ela vem, se você não a recebe, este segundo inferno é maior que o primeiro, o da aridez."
Deus é personagem principal em sua
obra. Ele está em tudo. Não apenas Ele, mas a fé católica, a reza, a lida
cristã.
"Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de fé carrega e
inclui esta marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à minha vida,
costura minha experiência, me dá horizonte. Acredito que personagens são álter
egos, está neles a digital do autor. Mas, enquanto literatura, devem ser todos
melhores que o criador para que o livro se justifique a ponto de ser lido pelo
seu autor como um livro de outro. Autobiografias das boas são excelentes
ficções."
Estreia, em 1996, no Teatro Sesi Minas, em
Belo Horizonte, a peça Duas
horas da tarde no Brasil, texto
adaptado da obra da autora por Kalluh Araújo e pela filha de Adélia, Ana Beatriz Prado.
São lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos
de maio. Participa, em maio, da série "O escritor por ele
mesmo", no ISM-São Paulo. Em Belo Horizonte é apresentado, sob a
direção de Rui Moreira, O sempre amor, espetáculo de dança de Teresa
Ricco baseado em poemas da escritora.
Adélia costuma dizer que o cotidiano é a
própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade
com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia
temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa,
um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.
"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."
Em 2000, estréia o monólogo Dona da casa, em São Paulo, adaptação de José Rubens
Siqueira para Manuscritos de Felipa. A direção é de Georgette Fadel e Élida Marques
interpreta Felipa.
Em 2001, apresenta no Sesi Rio de Janeiro e em
outras cidades, sarau onde declama poesias de seu livro Oráculos de Maio acompanhada
por um quarteto de cordas.
FONTE: Releituras
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